Além do Passeio: A Ascensão dos “Pet Places” e a Urbanização Afetiva dos Centros Urbanos

Em uma movimentada esquina da zona sul de São Paulo, o barulho do tráfego é abafado por um som muito mais alegre: o happy hour canino já começou. De um lado, um grupo de golden retrievers e labradores brinca em um cercado de astroturf, enquanto seus tutores, com taças de vinho na mão, conversam em mesas próximas. Do outro, um cachorrinho veste casualmente uma bandana nova, acabando de sair do “pet spa” localizado no andar de cima. Esta cena, cada vez mais comum nas grandes capitais brasileiras, é a face mais visível de uma revolução silenciosa: a explosão de espaços com o conceito de “Pet Place” ou “Espaço Pet“, estabelecimentos que estão redesenhando a relação entre os animais de estimação, seus donos e a própria cidade.

Não se trata mais apenas de pet shops com banho e tosa. O conceito evoluiu para um ecossistema completo de consumo e experiências. São cafés, restaurantes, hotéis de luxo, creches, parques cercados, lojas de retail premium e até coworkings que aceitam pets. Este fenômeno, impulsionado por uma mudança profunda no núcleo familiar moderno, movimenta bilhões e força o comércio e os espaços públicos a se repensarem para acolher os novos membros peludos da sociedade.

A Humanização como Motor Econômico

O termo “humanização” é a chave para entender este mercado. Os animais deixaram de ser “bichos de estimação” para assumir o papel de “família”. Com isso, as necessidades atribuídas a eles saltaram da esfera básica (comida, abrigo, saúde) para a esfera emocional e experiencial.

“O pet é hoje um filho de quatro patas para muitas pessoas, especialmente em um contexto de famílias menores, solteiros e casais sem filhos. Esses tutores buscam proporcionar ao animal uma vida tão rica e complexa quanto a deles. Eles não querem apenas comprar uma ração; querem uma ração super premium, orgânica, com ingredientes funcionais. Não querem apenas deixar o cão em um canil; querem um hotel com webcam, playlist personalizada e camas ortopédicas. E, principalmente, querem incluir o pet em seus momentos de lazer e socialização”, analisa a antropóloga Carolina Marques, que estuda a relação entre humanos e animais.

Este desejo tem um poder econômico formidável. Segundo o último levantamento do Instituto Pet Brasil, o setor movimentou mais de R$ 70 bilhões em 2023, com crescimento anual consistente de dois dígitos. Dentro deste montante, o segmento de serviços e “pet places” é o que mais cresce, superando até o faturamento tradicional com vendas de produtos.

Um Mapa dos Novos Espaços Pet

A paisagem urbana está se adaptando rapidamente. Os estabelecimentos podem ser categorizados em alguns modelos principais:

  1. Bares e Cafés “Dog-Friendly”: O modelo mais popular. Vão além de simplesmente permitir cães. Eles criam cardápios específicos para pets (pupuccinos, dog burgers com carne real), têm áreas de brincadeira seguras, oferecem água e até eventos temáticos, como “Yappy Hours” (happy hours para cães) e festas de aniversário.
  2. Play Pets + Pet Places (a receita perfeita): A resposta para a falta de áreas seguras de lazer nas cidades. Longe de ser um espaço vazio destinado aos pets, são cercados com obstáculos, rampas, túneis e superfícies adaptadas. Espaços como os criados pela Outdog surgiram como pioneiros neste segmento, oferecendo uma opção segura e controlada para que cães socializem e gastem energia sem a preocupação de trânsito ou fugas. A ideia foi tão bem-sucedida que inspirou dezenas de empreendimentos similares pelo país.
  3. Hotéis e Creches de Luxo: A versão five-star para pets. Funcionam 24 horas e oferecem suítes privativas (muitas vezes com TV), enriquecimento ambiental, monitoramento contínuo, atividades em grupo e relatórios diários para os tutores, que podem acessar câmeras ao vivo para verificar seu animal a qualquer momento.
  4. Lojas de Varejo Experiencial: As “Apple Stores” do mundo pet. Lojas amplas, com produtos dispostos de forma acessível, onde os pets são incentivados a entrar e testar os produtos. Muitas contam com estações de hidratação, provadores de camas e funcionários treinados para orientar sobre comportamento animal.
  5. Coworkings e Espaços de Trabalho: Um nicho em ascensão. Espaços de trabalho que permitem a presença do animal, com áreas de descanso, brinquedos e até serviços de dog walking agendados, resolvendo a culpa do tutor que precisa trabalhar mas não quer deixar o pet sozinho em casa.

O Desafio da Infraestrutura Urbana

A proliferação desses espaços privados levanta uma questão crucial: e os espaços públicos? A prefeitura de Curitiba, por exemplo, inaugurou recentemente a primeira “Praça Pet” totalmente pública da cidade, com equipamentos de agilidade, lixeiras específicas e bebedouros. Em São Paulo, a lei municipal 17.301/2020 obriga shoppings centers e centros comerciais a permitirem o acesso de animais de estimação.

No entanto, os desafios são muitos. “Precisamos avançar em políticas urbanas que incorporem o pet como um cidadão que também usa a cidade. Isso significa mais áreas verdes adequadas, transporte público que permita o acesso com restrições claras de segurança, e uma fiscalização que garanta o bem-estar animal e a saúde pública”, defende o urbanista Ricardo Oliveira.

A convivência nem sempre é harmoniosa. Conflitos entre tutores e não-tutores em parques, a má gestão de dejetos e o medo de acidentes são questões reais que exigem educação, regulamentação inteligente e um pacto de convivência urbana.

O Futuro é Compartilhado (e com Patas)

A tendência é que a linha que separa os espaços “humanos” dos espaços “pet” continue a se dissolver. Grandes redes varejistas já estudam incorporar áreas pet em suas lojas. Condomínios residenciais novos já projetam “playgrounds caninos” e “spas” como itens de luxo obrigatórios. A indústria de turismo se adapta rapidamente, com mais hotéis e pousadas não apenas aceitando, mas cortejando os hóspedes peludos com amenities exclusivas.

O fenômeno dos “Pet Places” é, no fundo, um sintoma de uma sociedade mais afetiva, que busca reconectar-se com a natureza e encontrar prazer nas relações simples, mesmo no caos da metrópole. São espaços que combatem a solidão urbana, tanto dos humanos quanto dos animais, criando novos pontos de encontro e tecendo uma rede de sociabilidade peculiar.

Eles demonstram que, quando um cachorro entra em um bar, já não é mais uma cena de comédia, mas sim um novo—e lucrativo—modelo de negócio. E que o futuro das cidades será, inevitavelmente, mais peludo, mais integrado e, se tudo correr bem, mais divertido para todos os seus habitantes, de duas ou de quatro patas.